segunda-feira, 7 de maio de 2012

Cidadão Kane: muito além do cinema, por Alexandre Barreto de Mello




           É apresentado ao mundo, no ano de 1941, aquele que viria a ser considerado por muitos o melhor filme de todos os tempos: Cidadão Kane. O diretor, Orson Welles, que também protagonizou a película, com apenas 25 anos, foi o grande responsável pelo sucesso da obra. Sem nunca ter produzido um único longa-metragem, Welles inovou o cinema, apresentando-nos um “drama-suspense” com o uso de recursos como flashbacks, deep focus ou contre-plongèes, utilizados ainda em filmes atuais. Mas, definitivamente, não é isso que confere a Cidadão Kane seu respeitável lugar ao sol.


          A história, que começa com a morte de Charles Foster Kane, a personagem principal, possui uma sequência não linear dos fatos, requerendo uma atenção redobrada dos telespectadores. A película narra a vida de Kane através de sete entrevistas, que relembram a personagem principal e tentam revelar o mistério proposto pelo filme: quem ou o que é “Rosebud”? A resposta, porém, não é dada, mas pode ser deduzida pelos espectadores no momento final da obra, em que a câmera aproxima-se de uma inscrição: “Rosebud”. A interpretação de tal revelação fica a critério de cada cinéfilo, que, dessa forma, interage com o filme.


           A mensagem ou o legado do filme, entretanto, não está somente em “Rosebud”, tampouco em seus recursos técnicos, como já comentado. Pode-se afirmar que está, sim, em seu conjunto enquanto arte, mídia, estrutura, poder crítico, tema da obra e inovações, tudo isso regido por uma ousadia ímpar de quem, esbanjando juventude e genialidade e sem experiência no ramo, decidiu por “as mãos na massa” e aventurar-se, descobrindo empiricamente que seu talento excedia as esferas do rádio ou do teatro. Orson Welles extrapolou, de fato, os limites do cinema. Não me pareceria inconveniente ou injusto que dividíssemos o cinema em “A.W.” e “D.W” (antes de Welles e depois de Welles, respectivamente).


           Orson Welles, através da escolha da temática abordada pelo filme, marcou época, ou melhor, décadas (e quem sabe séculos ou milênios). A crítica à mídia e à sua política de persuasão da população, ao capitalismo norte-americano e à busca destravada pelo poder e pelo dinheiro, bem como a crítica ao governo são elementos transcendentes, ou seja, não permaneceram nas décadas de 40 ou 50, mas mantiveram-se ao longo do século XX e XXI, embalados por Cidadão Kane. Assim, o “diretor-produtor-ator” mostrou ao mundo outra faceta do cinema. Este último, conhecido anteriormente como sinônimo de arte e entretenimento, tornou-se um meio de comunicação provocador de múltiplos efeitos de sentido, capaz de transmitir ideias e, até mesmo, propagar interesses.


           Os dilemas apresentados pela obra aproximam filme e espectador, sendo assim capaz de uni-los tão fortemente que, juntamente com o repórter que entrevista as pessoas mais próximas de Charles Foster Kane, está o indivíduo sentado em seu sofá, curioso, tentando revelar o significado de “Rosebud” e, enquanto isso, revelar Kane, na tentativa de atribuir-lhe uma personalidade e analisar seu comportamento, cada vez mais influenciado pela busca do poderio e do dinheiro. 


          Cidadão Kane vai muito além do filme. Traz-nos questões a serem refletidas: Onde está o verdadeiro valor de cada um? Até onde a máxima capitalista pode levar o ser humano? Podemos encontrar “Rosebuds” em nossas vidas e, afinal, o que isso quer dizer?Vemos no filme que, atrás do poderoso Charles Kane, estava alguém frágil, que ansiava ser amado. Assim, o filme também expõe fraquezas e fragilidades da espécie humana.


           As habilidades intelectuais de Orson Welles ainda vão além. O diretor foi capaz de unir todos os elementos inovadores, temáticos ou artísticos, em um filme que aborda a vida de um cidadão muito semelhante a Kane, o magnata da época William Randolph Hearst. Dessa forma, Cidadão Kane trata-se de uma biografia disfarçada. Ainda que o produtor diga que não, há pontos muitos semelhantes entre a vida dos dois milionários. Porém, Hearst acreditava que o filme denegria sua imagem e, por isso, era contra essa produção.


          Cidadão Kane, por tudo aquilo que lhe é atribuído, é considerado por muitos autores e cineastas uma obra contemporânea e com potencial para continuar a ser. Enquanto for capaz de interagir com seus espectadores e mostrar-lhes inúmeros problemas e questões atuais de suas realidades, sejam estes quais forem, o filme continuará a ser a referência cinematográfica mais nova do momento. Salvas a Orson Welles!




 

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