terça-feira, 8 de maio de 2012

Cidadão Quem? Por Vanessa Masera




Em 1941 Orson Welles lança 119 minutos de cenas preto e brancas, intituladas: Cidadão Kane. O que Welles não sabia é que seu filme, ainda que 71 anos depois, continuaria a ter um tema tão atual: as consequências do poder e do dinheiro na construção de um indivíduo.


“Eu encontrei pela primeira vez o Senhor Kane em 1871”, essas são as primeiras palavras do diário do Sr. Thatcher, falecido tutor e administrador dos bens de Kane. Seria Kane um novo órfão? Seus pais teriam falecido? Empobrecido? Qual o motivo pelo qual os pais entregariam seu menino para outro cidadão cuidar? Primeiramente cabe corrigir a frase, seus pais não, sua mãe. O pai de Charles tentou mostrar para sua esposa que poderiam muito bem cuidar do seu filho no Colorado. Porém o fato de um inquilino devedor pagar suas dívidas da pensão da senhora Kane em ações de uma mina de ouro fizeram com que o forte do pequeno Kane fosse atacado. Acreditando ser o melhor para educação do seu filho, a senhora Kane passa não só a administração da mina, agora milionária, como entrega Charles aos cuidados de um tutor. Mal sabia ela que posteriormente quatro universidades o expulsariam.


Num famoso jogo de computador intitulado The Sims, existia uma forma, um macete para os jogadores ganharem dinheiro de uma forma fácil, bastava digitar no espaço adequado a palavra Rosebud. Assim mesmo sem trabalhar, era possível ter dinheiro para fazer o que se quisesse no jogo, como por exemplo, construir casas gigantescas, repletas de quinquilharias caras. Chega uma hora que os ricos jogadores, nem sentem mais necessidade de se relacionar com os outros personagens, ou apenas estabelecem relacionamentos superficiais. Não se faz nada por seu próprio esforço, mas ainda assim é possível se ter tudo o que quiser, até que chega uma hora que o jogo perde a graça.


Esse jogo de computador citado acima representa tão bem a vida de Charles Foster Kane, um homem que é milionário sem ter nunca se esforçado na vida, alguém que compra tudo o que quer, como por exemplo, seu palácio intitulado Xanadu, repleto de estátuas, animais, quadros e tudo o que ele quisesse colecionar. Kane também não tem grande vontade de se relacionar profundamente com outras pessoas, e segundo ele mesmo disse: teria sido um grande homem se não tivesse sido tão rico.


Cidadão Kane ou seria Cidadão Quem? Neste filme nos deparamos com um homem em constante busca de identidade e de personalidade: – Desde quando ele coleciona diamantes?-Desde que ele conheceu alguém que os colecionava. Ao casar-se com sua primeira esposa, sobrinha do presidente dos EUA, Kane resolve dedicar-se a política. Dezoito semanas após seu divórcio, casa-se com sua Susan Alexander, detentora do sonho de cantar ópera para a mãe dela, Kane resolve então construir o Teatro Lírico Municipal de Chicago, e se torna admirador de ópera.


O filme não passa do retrato de um homem formado através de diversas entrevistas realizadas pelo jornalista Jerry Thompson a fim de construir uma reportagem sobre Kane, após sua morte. Essa pesquisa para a realização do memorial busca, ineficazmente, quem ele era, e não o que ele teve, através de sua última palavra antes da morte: Rosebud.


Ao completar 25 anos, e então obter o direito de administrar toda a sua riqueza, Kane diz querer apenas o Inquirer, jornal de pequena circulação, achava que seria divertido dirigir um jornal, Kane não queria dinheiro e Thatcher, nunca entendeu isso. Dirigir o jornal era uma forma de ser lido, por alguém, receber atenção, se sentir importante para os leitores, como tenta na sua carta de princípios: ganhar a confiança dos que o leem. Entretanto note que se não fosse herdeiro de uma grande riqueza, Kane não poderia ter se dado ao luxo de dirigir um jornal, apenas por diversão.


A vida de Charles, assim como no jogo eletrônico , não passou de uma simulação de vida, que deixou por desejar real comprometimento, ou realizações concretas, envoltas por qualquer tipo de sentimento. O único objetivo real do jogo é organizar o tempo de seus Sims para ajudá-los a alcançar seus objetivos de avanço pessoal. Fato este não ocorre nem com Kane nem com o jogador que utiliza o macete de dinheiro rápido e fácil, assim, as consequências do poder e do dinheiro na construção de um indivíduo tornam-se evidentes em ambos os casos. A palavra que une um jogo eletrônico e a vida real de um homem: Rosebud demonstra-se ao longo do filme como imposição as coisas que Kane não quer que aconteçam, mas que não pode fazer nada contra: sua separação da mãe, o abandono da segunda esposa, e finalmente a morte. Rosebud, para Kane e para o jogo The Sims, não passa de uma vida que permaneceu botão, e nunca floresceu.




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