terça-feira, 29 de maio de 2012

Uma Vida Desmembrada - Resenha do filme Cidadão Kane


Música dramática. Em um grande plano, a câmera mostra uma cidade. Durante um longo instante nossos olhos nos enganam, mas aos poucos, conforme a câmera sobrevoa a imagem, nossa mente percebe o que está errado, a grande cidade revela-se um amontoado de móveis. Os móveis do magnífico senhor Charles Foster Kane. A cidade do magnífico senhor Charles Foster Kane está em chamas. “Jogue este lixo”.  Assim termina Cidadão Kane.
O pequeno Kane veio de família pobre, mas ainda criança, após os pais receberem uma mina de ouro, supostamente sem valor, como pagamento, passou a ser criado por um banqueiro multimilionário. Na juventude, herdou um grande patrimônio em ações, imóveis e outros bens. Entre estes bens estava um pequeno e falido jornal, The Inquirer, que serviu como meio de manipulação para o idealista Kane. Depois de uma reformulação completa o jornal se torna influente, principalmente pelo sensacionalismo, dado às notícias. Com isso, Charles torna-se conhecido no país inteiro e passa a gozar de grande reputação, sobretudo entre a população pobre. Kane tenta entrar na política, candidatando-se ao Governo do Estado de Nova York de forma independente; só não vence por conta da descoberta de um escândalo amoroso, o “caso” de Kane com a cantora Susan Alexander, que mais tarde se tornaria sua segunda esposa – a primeira havia sido a sobrinha do presidente dos EUA, Emily Norton.
Com o passar dos anos, o magnata vai se tornando uma pessoa cada vez mais rude, hostil e solitária. Vivendo em um palácio tão suntuoso quanto frio, com dezenas de esculturas e quadros caríssimos, Kane definha ao lado de sua mulher, Susan, que, cansada do marasmo do lugar e da frieza do marido, resolve abandoná-lo, o que foi o golpe de misericórdia para um homem cercado de pessoas, mas, na verdade, abandonado por todos.
O que afinal vale a vida de um homem?
Kane tinha tudo que um homem pudesse querer: dinheiro, poder, mulheres, diversão. Nada disso, porém, parecia preencher o vazio que Charles sentia. Ele sempre queria mais, afetava a todos que o cercavam com a sua ganância. Por isso, a imagem da cidade no final do filme é tão significativa, uma vez que ela nos mostra o mundo de Kane, o grande orgulho do magnata, a cidade dentro do palácio Xanadu, sendo estraçalhada e queimada após a morte do fundador. Uma cidade sem significados para qualquer um, mas que representava a existência de um homem. De um homem vazio e solitário, que precisou da sua própria cidade, do seu forte, para sentir-se seguro. Essa imagem traduz o drama de Kane de um modo tão forte que o espectador se revolta e se emociona com o protagonista. Com o pequeno Charles, com o grande Kane.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Cidadão Kane FOI um grande filme, por Louise Zilz



      

           O filme norte- americano, “Cidadão Kane”, lançado em 1941, foi e ainda é considerado um dos melhores filmes já produzidos. Foi Orson Welles, na época jovem, quem teve a ideia de inovar no ramo cinematográfico, trazendo novas tecnologias, novas técnicas de filmagem para a produção do filme. O longa-metragem marca também a passagem do cinema mudo para o falado, o que é considerado mais uma singularidade desta produção.  
O filme trata da história da vida de Charles Foster Kane – um personagem fictício, mas que gerou muita polêmica pela sua semelhança com o magnata da imprensa norte-americana, William Randolph Hearst. Logo nas primeiras cenas, aparece o momento da morte de Charles, que pronuncia a palavra “rosebud”. Essa seria a palavra-chave de todo o filme, pois é por causa dela que uma investigação é iniciada a fim de descobrir seu significado, o porquê de Charles ter somente a pronunciado em seu leito de morte. Essa procura desencadeia uma série de depoimentos de diferentes pessoas que conviveram com Charles e mostra a vida dele – desde sua infância pobre, morando com seus pais, até seu auge na imprensa e política estadunidense, seguido pela decadência e solidão - por diferentes perspectivas.
Para ser sincera, ao saber que seria este o filme tratado, fiquei um tanto frustrada por se tratar de um filme antigo (o que normalmente é sinônimo de filmes nada emocionantes). Porém a surpresa foi uma trama envolvente e nada entediante, inclusive, fácil de confundir com produções atuais – não fosse a imagem em preto e branco. Acredito que ele tenha sido um grande filme na época do lançamento devido a todas as novidades trazidas, mas hoje em dia, pelo menos para mim, não passou de mais um filme que logo cairá no esquecimento. Para a geração de hoje, os efeitos, as técnicas, as tecnologias usadas no filme já se tornaram comuns - algumas inclusive ultrapassadas. André Bazin foi um renomado crítico de cinema que na época comentou sobre o uso da profundidade de campo utilizado no longa. Ele disse que o filme proporciona ao espectador um contato mais próximo com a cena do que ele experimentaria na realidade. Gostaria de saber o que ele diria hoje sobre os filmes em 3 ou até mais dimensões.
Enquanto “Cidadão Kane” ainda encabeça algumas listas dos melhores filmes já produzidos, em outras ele nem aparece mais. O longa é muito útil para acompanhar o desenvolvimento do cinema mundial devido suas grandes inovações, mas não deveria mais ser considerado um dos melhores já produzidos perante às grandes produções que temos hoje. 

domingo, 27 de maio de 2012

"Rosebud” e a Imprensa Marrom




por Athos Ribeiro           

             Cidadão Kane, produzido e protagonizado por Orson Welles em 1941, é um filme com características muito peculiares, pois seus recursos – mesmo que “primitivos”, devido à época em que foi criado – são à base de muitas técnicas cinematográficas atuais. Esse é o fato que faz com que o filme seja lembrado e reconhecido como precursor de técnicas do cinema contemporâneo (pós-cinema mudo) como o uso de flashback, efeitos sonoros, enquadramento de cenas, recursos de luz e sombra entre outros. Apesar disso, não se pode considerá-lo o melhor filme de todos os tempos, pois é preciso “prender” /manter a atenção do expectador, de maneira que o surpreenda, para que não se torne cansativo e monótono. Na questão de conteúdo o filme deixa muito a desejar por causa desses aspectos citados.
            Um ponto interessante do filme está em perceber a sutileza com que é colocado o surgimento da “Imprensa Marrom” – o sensacionalismo. Sabe quando a gente passa pela banca e vê aquelas revistas com diversas reportagens sobre o dia-a-dia dos artistas? Por exemplo: “Fulano de Tal foi passear na praia, às dez horas da manhã, COM SEU NOVO CACHORRINHO!”. Aquela imprensa que cria uma enorme polêmica sobre algo não tão relevante, com o intuito de vender mais o seu jornal, revista, etc. O filme gira em torno de uma busca pelas informações sobre a vida de Kane, para decifrar o significado da última palavra dita por Kane: “Rosebud”. Um Jornalista faz diversas entrevistas com pessoas próximas a Kane, ouvindo muitas versões sobre como ele era em sua vida pessoal, focando na busca para entender o porquê da última palavra.
            É notável a superficialidade do tema, a polêmica criada em cima de uma matéria jornalística para se vender mais. Também se pode ver esse contexto com uma grande ironia (subjetiva), de o próprio Kane – que foi o precursor nesse tipo de imprensa (sensacionalista) – ser alvo dela após sua morte.





O milagre de Orson Welles


“A revolução”
por Rafael Giron Martinenco

Todos apreciadores de cinema ou aqueles que simplesmente gostam de
comer pipoca vendo filme, devem usar aproximadamente duas horas do seu
dia para assistir uma grande obra do cinema, um filme recheado de inovações,
digno de desfilar no tapete vermelho do Oscar. Estou falando de Cidadão
Kane, 1942, Orson Welles, um dos melhores e mais revolucionários filmes que
já assisti.

Charles Foster Kane é um poderoso homem da mídia americana, que morre
início do filme, todavia, sua morte é mais lembrada do que qualquer outra, onde
a pronúncia de sua última palavra, “Rosebud”, passa ser o principal alvo das
investigações de Thompson, a figura mais misteriosa da obra. A imagem de
Thompson é sempre obscura no filme, o que dá um ar “Sherlock Holmes” ao
caráter do personagem, que busca a todo o momento as informações sobre a
vida de Kane. Thompson passa a ser a referência das muitas informações a
respeito de Kane, o que se passa ao longo dos flashbacks são os relatos que
são contados a ele, isso o torna um personagem “principal que não aparece
tanto”.

Mesmo com todos depoimentos e estudos de Thompson, o significado de
Rosebud, sua maior busca, não é feita com sucesso, entretanto, o real objetivo
do filme, de romper Kane no tempo acontece. Os relatos provam que a vida
de Charles Foster Kane realmente não foi toda a maravilha que se imaginava,
com muito luxo, felicidade e até uma mansão gigantesca, com zoológico
privado, a famosa Xanadu. A vida de Kane indiretamente pode ser comparada
com grandes heróis que já existiram, até mesmo Adolf Hitler, pode parecer
estranho, mas o poder de manipulação das pessoas e o comportamento

carismático estão presentes em ambos, já que Kane era dono de grande parte
da mídia americana. Kane possuía muitos adoradores, seguidores e pessoas
que o exaltavam, em uma cena do filme há um encontro do personagem com
funcionários e amigos, onde todos cantam uma música falando sobre o quão
maravilhoso era Kane em suas vidas, o mesmo vale para Adolf Hitler, visto
como o novo Deus para o povo alemão. É evidente que ao final da guerra
toda a verdade aparece sobre Hitler, para Kane nem tanto, apesar de que a
interpretação que tirei do filme era de que Charles Foster Kane tinha tudo e
nada ao mesmo tempo na sua vida.

Uma grande obra como essa pode ter uma influência até mesmo da
população diante dos “poderosos chefões” existentes. O filme Cidadão
Kane foi alvo de críticas por parecer à síntese da vida de William Randolph
Hearst, criador do jornalismo sensacionalista americano. No Brasil, o
documentário “Muito além do Cidadão Kane”, que retrata a vida de Roberto
Marinho, antigo presidente da maior rede de televisão brasileira, também faz
alusão à obra de Welles. As relações entre Kane e outras figuras famosas
são múltiplas, já que Kane era rico, famoso e dono de coisas importantes
assim como muitas pessoas no mundo. Todavia, a relação de Kane e Roberto
Marinho traz um aprofundamento que é indiretamente visto como algo que
corrompe a nossa sociedade, Roberto Marinho possui por trás de sua imagem
uma série de atos que destroem a sua imagem, mas isso não difundido entre a
população brasileira, já que a censura se encarrega de limitar os espaços onde
se têm acesso às chamadas “conspirações”.

O filme apresenta do início ao fim certo mistério a respeito de Kane, com
certeza é daqueles que faz grudar os olhos na tela sem querer parar de
assistir para ir ao banheiro. Uma série de inovações cinematográficas, enredo
inteligente, um diretor inigualável e relações com a vida real tornam Cidadão
Kane um dos poucos filmes que podem se caracterizar eternos.

Do preto e branco à atualidade

O filme Cidadão Kane lançado em 1941, do produtor Orson Welles,
representou um marco no cinema da época pela sua fotografia e também pelo enredo,
sendo até hoje mencionado como um dos melhores filmes da história do cinema. Com
flashbacks narrados pelos personagens ligados ao protagonista, Charles Foster Kane
interpretado pelo próprio Orson Welles, aos poucos é mostrado ao espectador uma
história que envolve dinheiro, manipulações jornalísticas, poder e interesses políticos.
É uma história criada há tanto tempo, que pode não ser tão atrativa para aos que
não são adeptos de filmes antigos em preto e branco no qual a linguagem e os trajes
remetem ao passado tornando-o um pouco 'chato', aos que são acostumados com as
inovações do cinema contemporâneo. Entretanto, aconselho este filme porque, apesar
de antigo, ele aborda assuntos atuais, ou seja, é um filme atemporal.
O filme é uma narrativa não linear que retrocede a vida de Charles F.
Kane. Inicia-se na morte do protagonista que em seu último momento sussurra
a palavra “Rosebud”, palavra esta que leva jornalistas a irem atrás da razão
e importância desta palavra na vida do poderoso Kane. A história de vida do
protagonista teve a grande virada quando ele recebe uma herança, tornando-se um
homem ambicioso, manipulador e amargo que acaba por não ter relações duradouras
com suas esposas e amigos, sendo um homem vazio e sozinho até o fim de sua vida.
Embora o filme em seu início não pareça tão interessante por possuir diálogos
e cenas que não chamam a atenção, tornando-se um tanto entediante, ao desenrolar
da trama, o espectador fica instigado com o significado do último sussurro de Kane.
Desse modo, dá o privilégio aos espectadores refletirem e finalizarem o filme de
acordo com o seu ponto de vista, diferente dos personagens que não ficam sabendo
o que era "Rosebud". Na minha opinião, "Rosebud" representava a vida que Kane
tinha antes da herança, a infância na sua total pureza, sem ambições e poderes, onde
somente o seu trenó o satisfazia.
Enquanto o público se envolve pelo enredo, com os relatos dos personagens
que vão montando a história de Kane como um quebra-cabeça, também pode
relacionar a maneira do protagonista manipular a sociedade através das manchetes
de seu jornal com as especulações sobre as mídias e seu papel nos dias de hoje. O
filme de Welles foi inovador e demonstrou o quanto o cinema pode abordar temas
cotidianos tornando o lazer um pouco mais cultural e contribuir com a opinião pública.
Afinal hoje em dia, rodas de amigos e debates universitários abordam se a mídia tem
ou não o compromisso com a verdade e com o público.

Erickson dos Santos

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Herança de Welles


 
                                                           Herança de Welles

   A vida de um magnata contada em 119 minutos. Orson Welles descreve a ascensão e decadência de um homem ambicioso utilizando técnicas inovadoras. Dirigido e protagonizado por ele, Welles dá um novo significado à palavra “cinema”.
   Sua genialidade permite que novos recursos dêem mais vida aos personagens. Suas personalidades ficam mais evidentes e críveis aos olhos do expectador. O repórter Thompson, por exemplo, é sempre visto nas sombras, nunca revelando seu rosto, demonstrando seu mistério. Ao investigar a vida do falecido jornalista Kane, Thompson entrevista 7 pessoas com o intuito de desvendar o mistério: o que significa “Rosebud”? Welles aproveita essas entrevistas para empregar outra novidade cinematográfica, o flashback. Essa nova técnica, muito utilizada atualmente, cria suspense na história e faz com que o expectador fique ainda mais interessado no filme. Uma película brasileira com esse mesmo recurso, baseado num livro, “O Coronel e o Lobisomem” pode ser comparado à obra-prima de Welles, pois esse método, nos dois filmes, cria a expectativa.
    Embora seja o objetivo do repórter (e do filme em si) descobrir o que é “Rosebud”, o diretor usa esse mistério para apresentar Charles Kane, sendo o ponto central do filme mortificar a materialidade do protagonista. A infelicidade de Kane mostra que o homem “corrompido” é um obsessivo compulsivo a quem sobra apenas sentir saudades de um tempo em que bens materiais não importavam.
    “Rosebud”, palavra pronunciada por Kane em seu leito de morte, é uma metáfora para o homem que se transformou em materialista. Fica evidente que Kane gostaria de ter sua infância de volta, que é quando a maioria das pessoas é feliz. Provavelmente isso ocorra porque o mundo está cada vez mais materialista e ganancioso, e Charles Kane não é exceção.
    Cidadão Kane é, na opinião desta jovem resenhista, um filme que pode ser assistido por várias gerações, devido não somente às inovações técnicas (para sua época) mas também ao tema, que é sempre atual, independente do ano em que nos encontramos.

CIDADÃO QUEM?


Se há um elo entre o passado, o presente e o futuro da história do cinema mundial, gostem ou não, este elo se chama Cidadão Kane. O filme, lançado na distante década de 40 do século passado, mais especificamente em 1941, dirigido e também estrelado por Orson Welles, não é por mero acaso tido como o melhor de todos os tempos. Não é preciso ser nenhum especialista para diferenciar a obra de Welles da maioria dos filmes que conhecemos; em apenas um filme, Welles reúne elementos de sua própria época, elementos que são utilizados ainda hoje e elementos que continuarão, na certa, sendo técnicas cinematográficas por muito tempo. A cada dia que passa fica mais clara a genialidade e a contemporaneidade de Welles ao realizarmos uma análise de Cidadão Kane.
                                                                         
         Em um primeiro momento, ao constatar que o filme é completamente em preto e branco, o espectador pode ter uma imagem de que a história que se seguirá será arrastada e ultrapassada, de que o filme será um símbolo do cinema antigo. Ledo engano: logo no dinâmico início percebe-se a inovação – seja de técnicas de filmagem, seja das atuações de destaque de boa parte dos atores, seja na trilha sonora imponente e destacada, seja na abordagem da narrativa completamente revolucionária – que Cidadão Kane traz consigo.

Contando a trajetória de vida do magnata da imprensa e megaempresário Charles Foster Kane a partir de sua morte e da revelação da misteriosa palavra “rosebud”, seu íntimo segredo, trata de forma muito crítica – ao espectador displicente ou desavisado, o tom crítico da obra pode não ser explícito, mas é justamente esta implicitude que fascina e estimula – das relações da imprensa e do capitalismo com o povo norte-americano, relações que vão gradualmente sendo mais expostas ao longo do filme. A narrativa não-linear leva o espectador a não querer perder um segundo sequer e a pensar junto com o desenrolar dos fatos que contam a história de altos e baixos de um homem que, a despeito de suas origens humildes, herdou, além de uma bolada e de outros bens, um jornal que virou sua obsessão pessoal e razão de viver.

Supostamente baseado na vida de William Randolph Hearst, homem que se assemelhava muito ao estilo do fictício Kane – fato nunca admitido por Welles –, o filme tem como principal tema a manipulação das massas pela mídia. Nada ortodoxo, o modo de fazer jornalismo de Kane – homem implacável e impetuoso – vai sendo exposto numa crítica que anda paralela à realidade da imprensa dos Estados Unidos à época (e por que não também hoje?). Manchetes a qualquer preço, notícias plantadas, escândalos midiáticos, opinião pública influenciada em razão de interesses pessoais, todos estes elementos contribuem para a riqueza da obra, que dizem não ter sido mais reconhecida por Hollywood justamente em razão de ser supostamente uma crítica a um figurão da mídia à época, que teria feito uma verdadeira caçada ao filme nos bastidores.

A história é contada por meio de inovadores e precisos flashbacks desde a infância do magnata, passando por todas as fases da vida e por pessoas que se relacionaram a Kane, sempre revelados pelo repórter a quem foi incumbido descobrir o segredo da palavra misteriosa. Aos poucos vai sendo desnudada a triste realidade do rico homem que, com o passar de uma vida repleta de ambições, luxo e riqueza material, se vê cada vez mais sozinho e infeliz.

O filme ainda levanta uma série de outras questões que, apesar de não serem o cerne da discussão, merecem destaque. A sujeira da política, que faz com que adversários ataquem com todas as armas que têm, por mais sujas que sejam, a banalização dos relacionamentos conjugais, o poder do dinheiro, entre outras questões elevaram o filme a uma categoria que à época não existia: a crítica social. Excetuando-se Chaplin, é claro, além de raras exceções, pouquíssimos filmes aspiravam algo maior do que simplesmente entreter as pessoas, e Cidadão Kane foi um dos pioneiros na união entre entretenimento e crítica.

Referência até hoje, a obra de Welles deve ser saudada como a influência básica para todo amante do cinema. Cidadão Kane é como um ponto de partida, é o filme que muda a forma de se ver cinema. A revelação, nos últimos segundos, do segredo que permeou a história de Charles Foster Kane, que a partir daí nada mais é do que um infeliz menino à procura de referências que nunca mais encontrará, fecha de maneira ainda mais espetacular a obra, uma verdadeira reflexão sobre os propósitos da vida.

                                                                                   Fernando V. P. Dias

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Muito Aquém do Cidadão Kane

Marco Rohenkohl


OK, não sou expert em cinema ou tenho grandes conhecimentos técnicos sobre o assunto, falo na condição de expectador que procura assistir bons filmes. E Cidadão Kane é um dos que figuram na lista de melhores de todos os tempos. CK ostenta a fama de revolucionário e brilhante, e de fato, o diretor Orson Welles criou uma série de efeitos e recursos visuais nunca vistos à época e que até hoje influenciam a indústria cinematográfica de alguma forma. Alguns ainda o citam como melhor filme de todos os tempos. Este filme também teve grande impacto pela relação do protagonista, Charles Foster Kane, com William Randolph Hearst, gigante da mídia na época.

O filme começa com Kane pronunciando sua última palavra antes da morte: “rosebud”. A partir daí se desenrola a história de Kane sobre diferentes pontos de vista, apresentando o protagonista desde sua infância quando herda o império que tomaria conta até seus últimos dias, passando pelos casamentos e tentativa de eleição a presidente.

Porém, o filme é, assim por dizer, chato. À parte do mérito técnico, que hoje já não surpreende, o filme falha no quesito entretenimento. Não há um envolvimento emocional com o expectador, onde são apresentados aspectos que possam atrair o espectador para junto do personagem, como por exemplo, uma cena em que Kane exponha intimamente seus medos, frustrações ou motivações. Vemos na sua infância como ele herdou um império, mas não uma justificativa para a mudança do menininho com seu trenó à motivação do homem quer se candidata a presidente. Parece tudo meio randômico. Talvez o hiato de aproximadamente 20 anos que separam o garoto do trenó da decisão pelo jornal teriam enriquecido muito o perfil de Kane. Também não se sente nenhuma atração enquanto vemos as amizades e relacionamentos que Kane tenta estabelecer com os demais personagens, pois caem na mesma superficialidade do perfil do protagonista. Não percebi nenhum momento em que eu tenha me importado com o que poderia acontecer, ou com o que teria acontecido a algum personagem. Além disso, há pouco humor nos diálogos e cenas ao longo do filme. Algumas exceções seriam o diálogo de Jedediah e Kane, onde o melhor amigo do milionário está bêbado, e a segunda esposa de Kane, que na tentativa de ser irritante com o próprio marido, consegue ser desagradável também à audiência com seus gritos e resmungos. Mas essas e outras cenas apresentam um pequeno impacto emocional no espectador. Senti falta de uma cena realmente engraçada, emocionante, intrigante ou dramática, que seja verdadeiramente impactante.

A grande ironia sobre o filme não é retratada na tela: O fato de Welles encenar a influência da mídia nas decisões da massa e o reflexo que teve a influência de Hearst na bilheteria e relativo fracasso no Oscar. Minha grande dificuldade em falar do filme é realmente o fato de achar ele muito plano, mediano, monótono. Sem grandes momentos bons, nem ruins, que proporcionassem alguma emoção ou maior interesse. Talvez eu tenha assistido com muitas expectativas considerando o título de melhor filme de todos os tempos que CK ostenta, mas para mim oferece algo aquém do que esta fama propõe. Sendo assim, não o vejo como um filme para todo mundo. Eu não recomendaria Cidadão Kane a alguém a procura de um bom filme, mas sim àqueles que procuram filmes cult ou a alguém que prefira dissecar os aspectos técnicos e contextualizados de um filme. Em 1941, talvez um clássico. Mas hoje em dia, chato.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Cidadão Kane, o melhor exagero por Carolina Mendes


 Consagrado o melhor filme de todos os tempos pelos especialistas no assunto, Cidadão Kane (Citizen Kane, EUA), lançado em 1941 e produzido pelo diretor e também protagonista Orson Welles através dos estúdios RKO, conta a história do magnata da imprensa Charles Foster Kane. Já é de praxe ver e ouvir que esse filme é maravilhoso, inovador e mais uma enorme variedade de elogios, mas será que ele é realmente tudo isso que falam?
            O início do filme se dá através da morte de Charles Foster Kane e a última palavra pronunciada antes disso: “Rosebud”. Então, um grupo de jornalistas se reúne para investigar e tentar descobrir qual o significado dessa palavra para o magnata. E é aí que está a grande inovação do filme: o enredo completamente fragmentado, que já inicia com a morte de Kane e irá revelar lembranças de pessoas que conviveram com ele, mostrando facetas desconhecidas e a sua verdadeira personalidade, do ponto de vista de cada um deles.
            O desenrolar da trama mostra o jornalista buscando as pessoas que estiveram mais próximas e bem conheciam Kane para tentar descobrir qual o significado da palavra “Rosebud”. Até o final do filme, o jornalista acaba não descobrindo o verdadeiro significado, mas passa a conhecer diferentes lados do magnata da imprensa, o que é a parte mais genial do filme, pois ele deixa o final em aberto para que cada um possa refletir sobre o que poderia significar para Kane a palavra “Rosebud”.
Kane veio de família humilde, mas quando ainda era criança passou a ser criado por um tutor muito rico (e o filme mostra que ele não queria ficar longe da família). Assim que cresceu, ele herdou um grande patrimônio com vários bens e, entre eles, estava um pequeno jornal falido, The Inquirer, que foi a primeira (e talvez única) coisa que interessou o jovem. Após reformular todo o jornal, contratar os melhores e mais famosos jornalistas, este passou a ser muito influente (aqui, Orson Welles faz uma crítica ao sensacionalismo da mídia, um assunto que, não se pode negar, é muito atual, pois a mídia pouco mudou de lá pra cá). Kane tentou entrar na política, mas obteve fracasso. Depois de se separar de sua primeira esposa, Emily Norton, ele casou-se novamente com a “cantora” Suzan Alexander, para quem construiu um teatro e que relatou ao jornalista um lado extremamente cansativo e frio de Kane. Eles viveram em sua suntuosa mansão, onde o hobby do magnata era colecionar esculturas e quadros, até que Suzan se cansou e o abandonou. Desde então, Kane ficou cada vez mais amargo, rude e grosseiro com seus amigos e acabou vivendo solitário em sua mansão, onde morreu.
            Este enredo é mostrado através de flashbacks, no estilo das entrevistas, e a partir disso é montado o quebra-cabeça sobre a vida de Charles Foster Kane. Claro, para a época em que foi lançado, foi um filme inovador, pois até então as pessoas estavam acostumadas com a narrativa linear e também foram utilizadas várias técnicas novas de filmagem na sua produção. Mas se pararmos pra pensar, já não vimos, atualmente, filmes muito semelhantes ou então muito superiores?
Não podemos desmerecer Cidadão Kane, levando em conta todos os motivos antes citados, mas aí ele levar o título de “melhor filme de todos os tempos” é exagero. Se não fosse uma professora ter recomendado, possivelmente eu jamais o teria assistido, nem sequer ficaria sabendo de sua existência. Agora, em qualquer lugar que eu leia sobre o filme aparecem comentários de que ele é o melhor filme de todos os tempos, aquele que revolucionou o cinema com suas maravilhosas técnicas, entre outras opiniões que são completamente exageradas.
Existem inúmeras superproduções atuais que são muito melhores que Cidadão Kane, que não são maçantes, que prendem muito mais o público e também tratam de assuntos que podemos refletir. Sem contar que os atores são extremamente melhores, as trilhas sonoras dão um toque à mais e as imagens são coloridas, o que torna muito mais agradável ao público.
Mesmo que Cidadão Kane tenha direito à inúmeros méritos e elogios, ainda fica a sensação de exagero. Vale a pena ser visto, principalmente pelo exercício de reflexão sobre a vida e as relações de Kane, mas não com a (falsa) ideia de que seja o melhor filme de todos os tempos.

INSENSATO CIDADÃO

                                                                                                                         Alice Garcia

            Produzido, dirigido e protagonizado por Orson Welles, Cidadão Kane (Estados Unidos, 1941) é um filme dramático e impactante no qual são mostradas as diversas faces do poder na época em que o capitalismo se instalava na sociedade. Este é considerado por muitos a mais bela obra cinematográfica criada até hoje; não compartilho, porém, desta opinião.
            É nos apresentado, já de início, o personagem principal, Charles Foster Kane, em seu leito de morte, suspirando sua ultima palavra ‘’rosebud’’. E é exatamente em torno desta, a qual se torna um enigma, que a história do filme ganha espaço.
Tentando decifrar seu significado, o jornalista Thompson (interpretado por Joseph Cotten), juntamente com seus auxiliares de imprensa, entrevista muitos daqueles que foram, de alguma maneira, próximos à Kane. A partir destas entrevistas nos são reveladas inúmeras informações sobre sua vida, as quais nos permitem perceber suas ambições, mágoas e problemas. E é através de memórias e lembranças dos entrevistados que tomamos conhecimento da vida e história do protagonista. Não é possível, entretanto, até então, compreender a misteriosa palavra.
Kane é revelado sendo dominador e controlador sobre aqueles que o cercam, sempre manipulando para realizar seus anseios. Era um magnata da imprensa de sua época, se tornando cada vez mais influente na sociedade em que se inseria. Em seu caráter podemos identificar facilmente traços de um capitalista conhecedor de meios e estratégias para atingir seus objetivos, porém com valores fúteis e superficiais, típicos da mentalidade que se formava no contexto.
            O mais interessante, contudo, é a forma como é desvendado o significado de ‘‘rosebud’’. Tornando somente os espectadores conhecedores de tal verdade, em sua última cena, o filme apresenta o fim deste mistério.
            Não se tratando mais da história do filme e sim de sua estrutura e montagem, podemos analisar diversos aspectos, ressaltando as inúmeras inovações para o cenário do cinema mundial que ele traz. Welles faz uso de um plano-sequência revolucionário, com flashbacks, cenas longas e sem cortes, utiliza sombras para um efeito dramático, filma a partir de lugares não convencionais, entre outras características pouco usuais para a época. Estas inovações certamente foram essenciais para que o filme obtivesse a repercussão que teve.
            Saliento também a polêmica que este filme trouxe. Muitos magnatas e empresários da época se sentiram ofendidos pela maneira como sua imagem profissional estaria sendo representada. Houve até boatos de que o filme teria sido inspirado em William Randolph Hearst, grande empresário da comunicação. Este foi inclusive contrário ao lançamento da obra de Welles. O filme, todavia, apenas apresentava fatos comuns a vida de Hearst.
Por muitos e muitas vezes este foi considerado o melhor filme da história da sétima arte. Foi o premiado com o Oscar de 1941, assim como muitos de seus atores e produtores (melhor direção, melhor produção de arte, melhor roteiro, melhor ator, entre outros). No entanto, não aprecio Cidadão Kane como o melhor filme já feito. Acredito que se considerarmos os padrões, estilo, regras e cultura da época em que foi criado, a ele devem ser atribuídos muitos elogios, críticas positivas e certamente um lugar de destaque em relação a outros longas-metragens. Ainda assim, contudo, acho possível que se pense em muitos filmes que podem e deveriam concorrer a este ao posto de melhor filme da história. Alguns destes: Luzes da Cidade de Charles Chaplin, O Poderoso Chefão de Francis Ford Coppola, Se7en de David Fincher e Perfume – A História de um Assassino de Tom Tykwer. Ao contrário de Cidadão Kane, estes são filmes que conseguem prender a atenção do espectador, não tornando os fatos monótonos, porém sem perder a profundidade da história.

sábado, 12 de maio de 2012

A riqueza de Cidadão Kane por Paulo Cancian


A humanidade produz arte há milhões de anos. A produção artística evolui com os seres humanos ao longo dos séculos, pois é uma forma de se expressar que materializa e perpetua histórias e sentimentos.  Analisar o filme cidadão Kane é como olhar para trás, para um degrau importante na história do cinema. Inovador em inúmeros fatores, o filme é considerado um dos melhores que já se produziu até então, com ele é possível entender muito do cinema atual.
Diferente de tudo que assistimos atualmente, esse é um filme em preto e branco, o que já desagradaria muita gente e faria com que muitas perdessem interesse de vê-lo. Não é um filme para fãs de efeitos especiais, historias surreais, contos e muito menos finais felizes. A cena inicial com uma mansão, neve e uma trilha sonora semelhante à de um filme de terror, me fizeram pensar: Aí vem um filme de terror sem qualidade, os chamados “trash”. Para minha surpresa o filme é bom, muito bom. Tratamos aqui de uma obra de arte, que trouxe muito mais do que o som para o cinema, trouxe a sensação de que criatividade não tem limites.
 Um filme para fãs de cinema. Esses sim ficam maravilhados com a obra, com a percepção, com a técnica que resultaram em efeitos visuais inéditos conquistados mesmo com equipamentos rudimentares como eram os da época, a grandeza e a riqueza de detalhes do cenário e finalmente a complexidade do roteiro que pela primeira vez apresenta uma ruptura cronológica. O enredo se desenvolve sobre um pretexto bobo, um jornalista é escolhido para investigar a vida de Charles Foster Kane após a sua morte e descobrir o significado da palavra Rosebud, pronunciada pelo magnata nos segundos que antecederam a sua morte.
A personagem principal morre no início do filme, e a história de sua vida é contada para o jornalista pelas pessoas que conviveram com o empresário. Dessa forma é despertada a curiosidade do espectador para acompanhar a investigação e assim descobrir também o significado da palavra em questão. A riqueza do roteiro é percebida ao longo do filme através dos inúmeros sentimentos que são despertados em quem o assiste e aos poucos procura compreender e se  identificar com Charles.
Após o desenrolar de quase todo o enredo, o jornalista não consegue desvendar o significado da palavra investigada, e o que prendeu o espectador por mais de uma hora e meia em frente à tela não é revelado de maneira convencional, um jogo de cenas e nada é dito, somos incitados a pensar e a prestar atenção ao máximo. Confesso-lhes que eu precisei assistir essa cena mais de uma vez para finalmente descobrir o significado da palavra e é então que a mágica do filme acontece: Após descobrir o que é Rosebud o espectador entra em profunda reflexão sobre tudo o que viu, e faz uma releitura inteira do filme em segundos. Não é surpresa alguém querer rever o filme. Não é espantoso o filme ser tão atual até hoje, é rico e muito bem pensando em todos os seus elementos.
Cidadão Kane se constrói nos detalhes, na complexidade e engenhosidade das histórias e das imagens; é um filme diferente e por isso não é um filme a se indicar, pois com certeza não agradará aqueles que estão acostumados aos efeitos visuais e animações gráficas de última geração.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Cidadão Quem? Por Vanessa Masera




Em 1941 Orson Welles lança 119 minutos de cenas preto e brancas, intituladas: Cidadão Kane. O que Welles não sabia é que seu filme, ainda que 71 anos depois, continuaria a ter um tema tão atual: as consequências do poder e do dinheiro na construção de um indivíduo.


“Eu encontrei pela primeira vez o Senhor Kane em 1871”, essas são as primeiras palavras do diário do Sr. Thatcher, falecido tutor e administrador dos bens de Kane. Seria Kane um novo órfão? Seus pais teriam falecido? Empobrecido? Qual o motivo pelo qual os pais entregariam seu menino para outro cidadão cuidar? Primeiramente cabe corrigir a frase, seus pais não, sua mãe. O pai de Charles tentou mostrar para sua esposa que poderiam muito bem cuidar do seu filho no Colorado. Porém o fato de um inquilino devedor pagar suas dívidas da pensão da senhora Kane em ações de uma mina de ouro fizeram com que o forte do pequeno Kane fosse atacado. Acreditando ser o melhor para educação do seu filho, a senhora Kane passa não só a administração da mina, agora milionária, como entrega Charles aos cuidados de um tutor. Mal sabia ela que posteriormente quatro universidades o expulsariam.


Num famoso jogo de computador intitulado The Sims, existia uma forma, um macete para os jogadores ganharem dinheiro de uma forma fácil, bastava digitar no espaço adequado a palavra Rosebud. Assim mesmo sem trabalhar, era possível ter dinheiro para fazer o que se quisesse no jogo, como por exemplo, construir casas gigantescas, repletas de quinquilharias caras. Chega uma hora que os ricos jogadores, nem sentem mais necessidade de se relacionar com os outros personagens, ou apenas estabelecem relacionamentos superficiais. Não se faz nada por seu próprio esforço, mas ainda assim é possível se ter tudo o que quiser, até que chega uma hora que o jogo perde a graça.


Esse jogo de computador citado acima representa tão bem a vida de Charles Foster Kane, um homem que é milionário sem ter nunca se esforçado na vida, alguém que compra tudo o que quer, como por exemplo, seu palácio intitulado Xanadu, repleto de estátuas, animais, quadros e tudo o que ele quisesse colecionar. Kane também não tem grande vontade de se relacionar profundamente com outras pessoas, e segundo ele mesmo disse: teria sido um grande homem se não tivesse sido tão rico.


Cidadão Kane ou seria Cidadão Quem? Neste filme nos deparamos com um homem em constante busca de identidade e de personalidade: – Desde quando ele coleciona diamantes?-Desde que ele conheceu alguém que os colecionava. Ao casar-se com sua primeira esposa, sobrinha do presidente dos EUA, Kane resolve dedicar-se a política. Dezoito semanas após seu divórcio, casa-se com sua Susan Alexander, detentora do sonho de cantar ópera para a mãe dela, Kane resolve então construir o Teatro Lírico Municipal de Chicago, e se torna admirador de ópera.


O filme não passa do retrato de um homem formado através de diversas entrevistas realizadas pelo jornalista Jerry Thompson a fim de construir uma reportagem sobre Kane, após sua morte. Essa pesquisa para a realização do memorial busca, ineficazmente, quem ele era, e não o que ele teve, através de sua última palavra antes da morte: Rosebud.


Ao completar 25 anos, e então obter o direito de administrar toda a sua riqueza, Kane diz querer apenas o Inquirer, jornal de pequena circulação, achava que seria divertido dirigir um jornal, Kane não queria dinheiro e Thatcher, nunca entendeu isso. Dirigir o jornal era uma forma de ser lido, por alguém, receber atenção, se sentir importante para os leitores, como tenta na sua carta de princípios: ganhar a confiança dos que o leem. Entretanto note que se não fosse herdeiro de uma grande riqueza, Kane não poderia ter se dado ao luxo de dirigir um jornal, apenas por diversão.


A vida de Charles, assim como no jogo eletrônico , não passou de uma simulação de vida, que deixou por desejar real comprometimento, ou realizações concretas, envoltas por qualquer tipo de sentimento. O único objetivo real do jogo é organizar o tempo de seus Sims para ajudá-los a alcançar seus objetivos de avanço pessoal. Fato este não ocorre nem com Kane nem com o jogador que utiliza o macete de dinheiro rápido e fácil, assim, as consequências do poder e do dinheiro na construção de um indivíduo tornam-se evidentes em ambos os casos. A palavra que une um jogo eletrônico e a vida real de um homem: Rosebud demonstra-se ao longo do filme como imposição as coisas que Kane não quer que aconteçam, mas que não pode fazer nada contra: sua separação da mãe, o abandono da segunda esposa, e finalmente a morte. Rosebud, para Kane e para o jogo The Sims, não passa de uma vida que permaneceu botão, e nunca floresceu.




segunda-feira, 7 de maio de 2012

Cidadão Kane: muito além do cinema, por Alexandre Barreto de Mello




           É apresentado ao mundo, no ano de 1941, aquele que viria a ser considerado por muitos o melhor filme de todos os tempos: Cidadão Kane. O diretor, Orson Welles, que também protagonizou a película, com apenas 25 anos, foi o grande responsável pelo sucesso da obra. Sem nunca ter produzido um único longa-metragem, Welles inovou o cinema, apresentando-nos um “drama-suspense” com o uso de recursos como flashbacks, deep focus ou contre-plongèes, utilizados ainda em filmes atuais. Mas, definitivamente, não é isso que confere a Cidadão Kane seu respeitável lugar ao sol.


          A história, que começa com a morte de Charles Foster Kane, a personagem principal, possui uma sequência não linear dos fatos, requerendo uma atenção redobrada dos telespectadores. A película narra a vida de Kane através de sete entrevistas, que relembram a personagem principal e tentam revelar o mistério proposto pelo filme: quem ou o que é “Rosebud”? A resposta, porém, não é dada, mas pode ser deduzida pelos espectadores no momento final da obra, em que a câmera aproxima-se de uma inscrição: “Rosebud”. A interpretação de tal revelação fica a critério de cada cinéfilo, que, dessa forma, interage com o filme.


           A mensagem ou o legado do filme, entretanto, não está somente em “Rosebud”, tampouco em seus recursos técnicos, como já comentado. Pode-se afirmar que está, sim, em seu conjunto enquanto arte, mídia, estrutura, poder crítico, tema da obra e inovações, tudo isso regido por uma ousadia ímpar de quem, esbanjando juventude e genialidade e sem experiência no ramo, decidiu por “as mãos na massa” e aventurar-se, descobrindo empiricamente que seu talento excedia as esferas do rádio ou do teatro. Orson Welles extrapolou, de fato, os limites do cinema. Não me pareceria inconveniente ou injusto que dividíssemos o cinema em “A.W.” e “D.W” (antes de Welles e depois de Welles, respectivamente).


           Orson Welles, através da escolha da temática abordada pelo filme, marcou época, ou melhor, décadas (e quem sabe séculos ou milênios). A crítica à mídia e à sua política de persuasão da população, ao capitalismo norte-americano e à busca destravada pelo poder e pelo dinheiro, bem como a crítica ao governo são elementos transcendentes, ou seja, não permaneceram nas décadas de 40 ou 50, mas mantiveram-se ao longo do século XX e XXI, embalados por Cidadão Kane. Assim, o “diretor-produtor-ator” mostrou ao mundo outra faceta do cinema. Este último, conhecido anteriormente como sinônimo de arte e entretenimento, tornou-se um meio de comunicação provocador de múltiplos efeitos de sentido, capaz de transmitir ideias e, até mesmo, propagar interesses.


           Os dilemas apresentados pela obra aproximam filme e espectador, sendo assim capaz de uni-los tão fortemente que, juntamente com o repórter que entrevista as pessoas mais próximas de Charles Foster Kane, está o indivíduo sentado em seu sofá, curioso, tentando revelar o significado de “Rosebud” e, enquanto isso, revelar Kane, na tentativa de atribuir-lhe uma personalidade e analisar seu comportamento, cada vez mais influenciado pela busca do poderio e do dinheiro. 


          Cidadão Kane vai muito além do filme. Traz-nos questões a serem refletidas: Onde está o verdadeiro valor de cada um? Até onde a máxima capitalista pode levar o ser humano? Podemos encontrar “Rosebuds” em nossas vidas e, afinal, o que isso quer dizer?Vemos no filme que, atrás do poderoso Charles Kane, estava alguém frágil, que ansiava ser amado. Assim, o filme também expõe fraquezas e fragilidades da espécie humana.


           As habilidades intelectuais de Orson Welles ainda vão além. O diretor foi capaz de unir todos os elementos inovadores, temáticos ou artísticos, em um filme que aborda a vida de um cidadão muito semelhante a Kane, o magnata da época William Randolph Hearst. Dessa forma, Cidadão Kane trata-se de uma biografia disfarçada. Ainda que o produtor diga que não, há pontos muitos semelhantes entre a vida dos dois milionários. Porém, Hearst acreditava que o filme denegria sua imagem e, por isso, era contra essa produção.


          Cidadão Kane, por tudo aquilo que lhe é atribuído, é considerado por muitos autores e cineastas uma obra contemporânea e com potencial para continuar a ser. Enquanto for capaz de interagir com seus espectadores e mostrar-lhes inúmeros problemas e questões atuais de suas realidades, sejam estes quais forem, o filme continuará a ser a referência cinematográfica mais nova do momento. Salvas a Orson Welles!