Dia de Pagamento
Típica fila de banco em dias normais |
Sem dúvida um dos dias mais comemorados do mês é o do pagamento. Pelo menos pra
maioria dos assalariados que estão para receber o salário/pensão/benefício. Pra mim, é um inferno. Explico: trabalho num banco no atendimento à pessoa
física na principal agência do município, onde se concentra a maioria dos
benefícios do INSS.
Sentiu o drama? Pois bem, chegando o fim do mês o clima já começa a ficar
tenso. Conforme o novo mês vai iniciando, vamos chegando ao ápice da loucura: o
quinto dia útil. Pronto. Esse é o dia de correr pras colinas. Chego à agência
por volta de 8:30h e já posso me deparar com a fila gigante de idosos e
“adoentados” que se adiantaram para não ter que esperar na fila. Nesse momento
é crucial não ser reconhecido e fazer a entrada na agência rapidamente. Um detalhe
importante é que a agência só abre às 10h, e do lado de fora não tem onde
sentar. Logo, uma espera de pelos menos uma hora e meia em pé é garantida, mas esse
raciocínio parece muito sofisticado para a conclusão deles.
Entrada do banco em dia de pagamento. |
Enquanto isso, dentro da agência, nós, meros escriturários, nos
preparamos pra carnificina financeira que enfrentaremos ao longo do dia. Às 9h
já se ouve os murmurinhos na entrada e às 9:30h já podemos ouvir os tambores do
exército de aposentados pronto para devastar qualquer coisa que não tenha um
dos números sagrados: o do saldo, ou o do benefício. Chegadas as 10h da manhã
não se tem mais saída. É hora de separar os homens das crianças. Como zumbis
sedentos por cérebro, a horda invade a agência, espremem-se 5 por vez na porta
giratória, as cadeiras ficam lotadas, gente em pé reclamando, criança chorando,
velho enfartando, caixas enlouquecendo, UFC geriátrico rolando, vigia
chegando na voadora.
No meio daquele caos de pessoas dos mais variados naipes,
chamo a primeira ficha, inseguro do que está por vir e temendo pelo pior.
Levanta-se uma senhora idosa, pele enrugada e olhos cansados, mas com um
sorriso simpático. Por um breve momento sinto um alívio, quando junto dela
levanta-se uma moça tetuda de cabelo encaracolado e barriga pra fora da calça,
com uma criança no colo e um mocinho sardento segurado pelo braço. Todos vieram
para o tour bancário. A família chega à minha
mesa, onde a tetudona já braveja:
- Viemo buscá o benefíss, seu moço.
- Er... OK, podem ficar à vontade.
- Também queremo vê dum consignado, tá? E a mãe sisqueceu da sanha do cartão.
- Certo, vamos lá.
Nesse meio tempo o pequeno terrorista já está ao meu lado na mesa, pegando os panfletos sobre consórcio e comendo como se fossem alface. Peço que por favor a peituda pegue a criança, mas ela me esclarece que o Waldisnei só quer um entertimento. Tudo bem, então. Só não coma a caneta ou os carimbos.
Rapidamente providencio o lançamento para o pagamento da tia, e faço um breve esclarecimento sobre o consignado. “O problema, minha senhora, é que o seu limite está negativo em R$500,00, então um empréstimo de R$1.000,00 vai ter metade usada pra cobrir o limite”. Não me atentei que isso poderia ser informação demais para o início do dia. A expressão que a tal senhora fez ao ouvir aquilo certamente é a mesma que faço nas aulas de cálculo do Avelino. Porém, com toda a didática, me pus a desenhar linhas e bloquinhos pra explicar o que era o limite, e que ela pagaria juros por aquilo. Depois de 45 minutos, missão cumprida. Pagamento efetuado e consignado providenciado. A essa altura já teria cliente transbordando pelas janelas, caso elas fossem maiores.
Hora de chamar a próxima ficha. Momento de tensão. Levanta-se um tiozinho magrinho, de terno comprido onde as mangas passam os punhos, e gravata amarela curta à la Quico.
- Vim pegá o pagamento, mandaram passar aqui em cima.
- OK, senhor. Pode sentar, fique à vontade...
E o ciclo se repete, seguindo um roteiro definido, mas com as mais curiosas variáveis. Enquanto a grávida reclama, o idoso se sente desrespeitado em meio a gritaria generalizada, o ceguinho aguarda pacientemente a chamada ao lado do guri comendo Cheetos chulé. Enquanto um cliente que deve até as calças em outra agência reclama que o benefício tenha caído nesse maldito banco, na outra mesa, mais um cliente acusa o banco de estar roubando. Culpa do estagiário, eu diria.
E esse foi apenas um breve exemplo do que se desenrola ao longo do dia nessa
tumultuada bagunça que é uma agência bancária. Felizmente, os municípios
periféricos a Porto Alegre tem expediente bancário até às 15h. Por outro lado,
é devido a nós, no mínimo, adicional de insalubridade. Com certeza, um mês inteiro de atendimento daria um livro e tanto de “causos”
peculiares.
- Viemo buscá o benefíss, seu moço.
- Er... OK, podem ficar à vontade.
- Também queremo vê dum consignado, tá? E a mãe sisqueceu da sanha do cartão.
- Certo, vamos lá.
Nesse meio tempo o pequeno terrorista já está ao meu lado na mesa, pegando os panfletos sobre consórcio e comendo como se fossem alface. Peço que por favor a peituda pegue a criança, mas ela me esclarece que o Waldisnei só quer um entertimento. Tudo bem, então. Só não coma a caneta ou os carimbos.
Rapidamente providencio o lançamento para o pagamento da tia, e faço um breve esclarecimento sobre o consignado. “O problema, minha senhora, é que o seu limite está negativo em R$500,00, então um empréstimo de R$1.000,00 vai ter metade usada pra cobrir o limite”. Não me atentei que isso poderia ser informação demais para o início do dia. A expressão que a tal senhora fez ao ouvir aquilo certamente é a mesma que faço nas aulas de cálculo do Avelino. Porém, com toda a didática, me pus a desenhar linhas e bloquinhos pra explicar o que era o limite, e que ela pagaria juros por aquilo. Depois de 45 minutos, missão cumprida. Pagamento efetuado e consignado providenciado. A essa altura já teria cliente transbordando pelas janelas, caso elas fossem maiores.
Hora de chamar a próxima ficha. Momento de tensão. Levanta-se um tiozinho magrinho, de terno comprido onde as mangas passam os punhos, e gravata amarela curta à la Quico.
- Vim pegá o pagamento, mandaram passar aqui em cima.
- OK, senhor. Pode sentar, fique à vontade...
E o ciclo se repete, seguindo um roteiro definido, mas com as mais curiosas variáveis. Enquanto a grávida reclama, o idoso se sente desrespeitado em meio a gritaria generalizada, o ceguinho aguarda pacientemente a chamada ao lado do guri comendo Cheetos chulé. Enquanto um cliente que deve até as calças em outra agência reclama que o benefício tenha caído nesse maldito banco, na outra mesa, mais um cliente acusa o banco de estar roubando. Culpa do estagiário, eu diria.
Fila do banco em dia de pagamento |
Mas enfim, tudo isso não vem ao caso aqui. Essa foi só uma fração do
apogeu do bancário da linha de frente. A prova de fogo. O batizado do
padawan-escriturário. Passar pelo pior
dia de todos: o dia do pagamento.
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